Autor do projecto de requalificação do Parque Municipal da Guarda, em 1994, critica a Câmara por não o ter contactado.

Abate de árvores ou do Parque Municipal da Guarda?
Há pouco mais de duas décadas coordenei a equipa pluridisciplinar que fez a renovação do parque municipal. Redesenhámos caminhos, mobiliário e iluminação eléctrica; introduzimos equipamentos e infraestruturas; recriámos espaços para crianças e idosos, construímos um edifício e novo e renovámos dois existentes, inaugurando a primeira Ludoteca da cidade; identificámos as entradas e os eixos do parque através de arte publica, e dotámos o recinto com infraestruturas para receber eventos ao ar livre, bom como um novo circuito de manutenção.
Após um diagnóstico minucioso feito pela arquitecta paisagista da equipa, removemos um reduzido número de árvores irremediavelmente doentes. Plantámos mais de uma centena de árvores, diversificando profundamente o conjunto arbóreo mas também o arbustivo e o herbáceo existentes, sem contudo alterar a imagem existente de mata antiga e sem alterar a topografia e relações e vizinhança e com as ruas.
Em 1994 a obra foi inaugurada com pompa e circunstância com milhares de pessoas presentes. Nesse mesmo ano, o projeto venceu o Grande Prémio Nacional de Arquitetura. Como coordenador recebi o prémio em Lisboa das mãos do então ministro João Cravinho. Por esta obra e este prémio a Assembleia Municipal propôs e a câmara agraciou-me com a Medalha de Mérito Municipal.
Há dias voltei ao parque e verifiquei com satisfação que o projecto continua válido na sua essência. Contudo, confirmei com tristeza uma generalizada falta de conservação e uma ocupação do pavilhão de exposições e do bar para fins privados. Observei ainda como grande parte das árvores que plantamos estão em mal estado ou simplesmente não estão mais lá.
Aparentemente, o plano de plantação e manutenção que entregámos não foi implementado. A Câmara tem revelado grandes dificuldades em cuidar do património público que está sob a sua administração- veja-se o estado lamentável em que se encontra o habitat que desenhámos para os patos.
Talvez a CMG pudesse centrar-se nesse cuidado, chamando talvez quem sabe do assunto, quem estudou e conhece as obras, quem é autor delas, ao invés de chamar novos projectistas e alterar espaços públicos da máxima relevância para a memória de gerações de guardenses, em que me incluo. Com a agravante, no caso do parque municipal, de ser um projecto e obras premiados ao mais alto nível.
Pela sua exposição pública, por ter resultado de um concurso público de ideias e encomenda pública, pelas suas características singulares como obra de arquitectura, de urbanismo e arranjo paisagístico, a obra existente no parque municipal tem bem marcados os direitos de autor. Por consequência, quaisquer alterações carecem, necessariamente, por lei, de ouvir os autores e obter a sua concordância. Manda o bom senso nestes casos chamar os arquitectos originais para adaptar e actualizar as obras de que são autores. Todos têm a ganhar com essa opção: ninguém conhece tão bem a obra como quem nela trabalhou durante anos. A CMG, porém, nunca me contactou.
Constou-se que o novo projecto propõe o abate de árvores, mas que esse parece ser o menor dos seus problemas: demolição da obra existente, impermeabilização de caminhos, construção de muros de betão com vários metros e altura e alterações à topografia do parque, parecem vir a caminho. Paira sobre o parque uma ameaça: de não ficar pedra sobre pedra da obra e imagem existentes. Pode estar em causa a imposição de opções de projecto porventura inadequadas mas também, note-se, uma violação de direitos de autor. Infelizmente, estas práticas são correntes em algumas administrações municipais. Não deixam, contudo, de ser menos ética e legalmente questionáveis. Espero que a CMG repense e (re)tome o caminho correcto.

Nuno Martins, arquitecto, professor universitário de arquitectura sutentável e eco-urbanismo e investigador da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa

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