Bom tempo
No dia em que escrevo estas linhas, a 21 de março, estamos já na Primavera. Esta estação inicia-se com o equinócio da, claro está, Primavera.
Segundo o Observatório Astronómico de Lisboa, a palavra equinócio deriva da palavra de origem latina aequinoctium, composta por aequus (igual) com o substantivo noctium, genitivo plural de nox (noite). No fundo, a palavra equinócio pretende transmitir a ideia de que a noite seria igual ao dia, neste caso em termos de duração. Ainda que o fenómeno natural subjacente a esta data motive desde há séculos povos a celebrar, a mesma página do Observatório Astronómico de Lisboa demonstra porque é que, na realidade, esta assunção não corresponde integralmente à verdade. É uma leitura interessante e que recomendo a todos1.
Ora, de qualquer forma, é a partir desta altura do ano que as horas de dia do dia (não é gralha, simplesmente não encontrei nenhum outro termo que defina tão precisamente a parte do dia em que o Sol está acima do horizonte para além do termo que também designa o dia como um todo) superam as horas de noite.
A Primavera é tipicamente associada a temperaturas mais amenas e a uma época mais colorida muito pelo florir das flores. Contudo, ao acordar hoje e ao olhar pela janela, ao ir a pé para o trabalho ou mesmo ao escrever esta crónica com o radiador a óleo ainda ligado, confirmo que a realidade não se compagina assim tanto com esta designação genérica. Está cinzento, está frio, está chuva. Inicial e puerilmente, até se pode pensar que está “mau tempo”. Mas estará mesmo?
Basta pensar na água. Uma pesquisa rápida confirma o que a observação espontânea mostrou ao longo dos últimos meses: tem chovido muito pouco. E isso repercute-se em várias dimensões. Por exemplo, uma notícia de 23 de fevereiro do Expresso2 dava nota da limitação da produção de energia hídrica nas barragens portuguesas até ao Outono, dado que a prioridade é o abastecimento humano. Parecia algo impensável e longe do nosso imaginário, com um toque quase absurdo. Ter de ponderar o uso de água para assegurar o consumo humano. Mas os últimos tempos vieram demonstrar que coisas tidas como impensáveis podem materializar-se muito rapidamente.
Mas, voltemos à água. A sua falta tem levantado problemas na agricultura e na pecuária, como várias notícias dos últimos meses atestam. Na energia, comparativamente a semelhante período do ano passado, a produção elétrica nas barragens portuguesas desceu 73%3. A energia hídrica, como a eólica ou fotovoltaica, são fontes renováveis que permitem diminuir a dependência de energia relativamente a outros países, nomeadamente a Rússia, país cuja energia é uma das suas maiores forças – basta ver que a Alemanha, no momento em que eclodiu a guerra que desde há décadas mais ameaça o projeto europeu, admitiu não ter como substituir de imediato o gás russo. Como se costuma dizer, anda tudo ligado.
Provavelmente, o parágrafo anterior, que foi lançado pela observação casual de um dia de chuva e terminou em causas geopolíticas de uma guerra, representa um raciocínio exagerado e demasiado simplista. De qualquer forma, acho que é seguro afirmar que, excluindo a nossa sensação subjetiva (e egoísta?) de que a chuva na cabeça pode ser desagradável e que caminhar com os pés ensopados e enregelados é desconfortável, está efetivamente “bom tempo”.
1 https://oal.ul.pt/equinocio-da-primavera-2022/
2 https://expresso.pt/sociedade/2022-02-23-seca-producao-hidroeletrica-so-deve-voltar-a-normalidade-no-outono
3 https://eco.sapo.pt/2022/02/28/eletricidade-gerada-em-barragens-caiu-73-este-ano/