Conversa no canto
– Boa noite Sancho. Venho dar-te os parabéns. Estás velho! 823 Anos é muito tempo.
– Estás enganado, Anjo. Essa é a idade da nossa cidade. Eu tenho mais 45. Mas um Povoador não tem idade. Vive na descendência. Oito que os historiadores conheçam…
– Há mais?! Conta…
– Era só o que faltava cair na primeira pergunta do confessor… Mas sempre te digo: não era dos mais abusadores. Tinha consideração pelo sexo feminino, uma noção de paridade, diríamos hoje. Repara que eu e a minha irmã Teresa, durante algum tempo, fomos co-herdeiros do Reino. Teresa chegou a fazer doações sozinha.
– Mas isso era raro.
– Raríssimo; ontem e hoje.
– Vamos em frente. Com o teu passado não precisas de branquear o percurso. Até me parece que nem sempre te portaste bem, a fazer fé nos meus primos do clero.
– Isso é outra história. Se queria o Reino coeso em torno do Rei tinha que pôr o clero na ordem. Mas, o principal era (ainda é!) a reorganização do território. A criação de condições para o povoamento das várias partes do reino.
– Sancho concentra-te! Não estamos a falar de hoje.
– Claro que estamos. É hoje que vivem as minhas gentes.
– Foi fácil? Impor Gouveia (1186), Bragança (1187), a Guarda (1199),… ao poder central é obra.
– Fácil?! Nem pensar… Todos cedem às alcatifas de Lisboa. Os que lá nasceram, os que lá vivem e, principalmente, os que lá querem viver. Mas, nunca o esqueças, nasci em Coimbra e, o mais importante: fui um Estadista…Tens dúvidas? Observa a minha postura, olha para a minha face e para a minha espada no castelo de Silves.
Anjo diz-me tu, que andas por todo o lado, conheces muitos estadistas?
– Bem, visto assim…
– Olha que que não foi fácil. Mandei vir para esta área remotas gente de muitos lados…Flandres e Borgonha.
– E eles vinham?!
– Claro que vinham… com planeamento e com contrapartidas… O Foral é isso.
– Parece que estamos a precisar de um novo Foral.
– Precisamos é de estadistas, deixa-te de desculpas… Que pensem o reino como um todo. Que estudem para não ficarem surpreendidos com os seus atos. Os resultados da última contagem (O Censo de 21) e as suas desigualdades são a colheita do que semearam.
– E a nossa gente não tem responsabilidade? Não te esqueças: um lugar é a sua gente.
– E à minha gente? Permite-me que os trate assim sabendo que também são teus – falta-lhe «espirito de pertença». Entendimento do que significa Ser da Guarda. O que nos impõe Ser da Guarda. O que significa Integrar uma comunidade com 823 anos.
– Mas e os passadiços, a plataforma logística, o hotel turismo,….
– Sempre otimista, como é próprio de um Anjo, mas falta gente…
– Olha Sancho! Para acabar a noite um pouco mais animados, vamos trautear um pouco da canção que o Tim me dedicou. Fiquei contente.
– Só os dois? Porque não chamamos os clérigos meus vizinhos, os estudantes, toda a gente… todos somos poucos.
Vamos, Todos a uma só voz:
Ó meu anjo da Guarda, Faz-me voltar a
Sonhar, Faz-me ser astronauta, E voar…
Acordar meter os pés no chão, Levantar, pegar
No que tens à mão, Voltar a rir, voltar a
Andar, voltar…Voltarei…
Sempre.
Palavras dos outros:
«É pouco importante pensar de quem é o golo.», Bruno Fernandes, Jornal Observador, 29/11/22
«Como é que em 15 anos após entrar para a U.E. a economia romena fez o que nós não conseguimos em 36.», João Miguel Tavares, Jornal Público,29/11/22