Feira dos Gorazes
Apesar dos sucessivos ataques dos Governos, o Interior, nomeadamente os concelhos da nossa raia com Espanha, como Mogadouro, resistem e tentam promover os seus produtos e os de concelhos vizinhos na Feira dos Gorazes, defendendo em simultâneo a cultura local. Foi a isso que assisti no domingo, dia 16 de outubro de 2022, embora toda a tradição se mostrasse francamente debilitada.
No dia anterior, 15 de Outubro, passados que foram 5 anos sobre uma enorme tragédia, estive em Torre de Moncorvo a assistir ao lançamento da Revista Colégio Campos Monteiro: Espaço de Cultura e Memória e à apresentação da reedição de um livro deste autor local com um titulo bem elucidativo da resistência necessária neste nosso tempo: Contra a Maré.
Este ano tudo se mostra mais difícil por continuarmos a ter uma seca que impede a normalidade na produção agrícola e pecuária, que se junta a uma persistente incúria do poder central na proteção das necessárias condições naturais. Assistimos só a uma sobrecarga de algumas produções agrícolas rentáveis em regiões tradicionalmente dotadas para estas, ultrapassando no Douro as capacidades edafoclimáticas locais. E acontece enquanto não se cuida da seca e a cotação da GALP sobe.
Em Mogadouro percorri as suas ruas à procura da tradição da marrã e não a encontrei saborosa. Só a comi requentada porque os tempos são de crise e os restaurantes não querem manter a qualidade. Só querem sobreviver e degradam-se e um dia destes fecham e isso vejo-o continuamente neste meu deambular por esta raia onde se sobrevive. Mas, mal como sabemos. É onde, com menos gente, cresce a área ardida na Serra da Estrela, sendo nela insignificante o apoio do estado à produção de mel. Lamentamos.
Mostrando como a loucura ocupa lugar de destaque nas razões que levam alguém a emigrar, em Mogadouro comprei queijo a um jovem emigrante brasileiro, que foge da miséria causada pela má governação no seu país, para um lugar de onde se fugiu para França e Alemanha, agora em crise por culpa de uma guerra escusada que os homens do mando, bem identificados, não querem parar. Junto a ele estava um espanhol que vendia alhos, algo que em Portugal não se produz. E assim tudo mostra que a fronteira já não nos separa pois não existe, havendo uma raia com uma única margem, afastadas que são as guerras que no passado nos desuniram.
De facto, muito nos une ao povo espanhol que existe do outro lado da fronteira, tal como evidencia José Ramón de la Torre em 2021 no seu livro “Un viaje por la Raya”, evidenciando que não existe fronteira nos 1292 quilómetros da fronteira. É onde existem localidades como Olivença que continuam portuguesas na memória dos povos e, ainda, muitos locais onde a fala é uma mistura indefinida de línguas, que mostram como a história, que nos separou nos mescla como seres que convivem e são amigos neste território, que há pouco nalguns lugares era um couto misto, uma pequena faixa desabitada que hoje faz parte do concelho português de Montalegre e que só deixou de o ser há bem pouco.
Tudo mostra como os atuais e o de sempre problemas do planalto mirandês que se estende pelos concelhos de Miranda do Douro, Mogadouro, Vimioso e parte de Freixo de Espada à Cinta e Torre de Moncorvo(in Planalto Mirandês – AEPGA) tem mais inimigos em Lisboa do que aqui, pois aqui nesta raia todos só querem viver uma paz frugal. E no jardim quase em frente ao restaurante em que almocei, está a estátua de José Francisco Trindade Coelho, um escritor, magistrado e político português, que tanto amou esta terra e o povo português, e que aqui foi traído indecorosamente como conta em A Minha Candidatura por Mogadouro, publicada em 1901.
E isso faz-nos precaver contra os falsos que habitam esta nossa Pátria.