Imigração
Um dos momentos do debate do Estado da Nação, que decorreu na Assembleia da República a 20 de julho, foi a acesa troca de palavras entre André Ventura e Augusto Santos Silva. A intervenção deste último, a meu ver de grande nível, teve como consequência o abandono do hemiciclo por parte dos deputados do Chega presentes. Aparentemente, um outro deputado também do Chega atrasou-se e, quando chegou à Sala das Sessões, projetada pelo Arquiteto Ventura Terra em 1903, ficou confuso. Abandonou, tal como os seus correligionários, a sala pouco depois.
Ora, que assunto levou Augusto Santos Silva a sentir a necessidade de intervir de forma mais dura e a pôr André Ventura no lugar? A imigração, mais propriamente a alegação de André Ventura de que os portugueses pagam muitos impostos para sustentar imigrantes que não querem fazer nada, aproveitando para viver às custas do povo.
Para além de discriminatórias e com o mero intuito de gerar vídeos facilmente partilhados no youtube para alimentar a onda de ódio e desinformação que tem garantido o sucesso do Chega, são também falsas.
Vamos aos números. Uma notícia do Jornal de Notícias de dezembro de 20211 diz-nos, logo no seu lead, que “Os imigrantes em Portugal contribuíram com mais de mil milhões de euros em contribuições para a segurança social em 2020, mas só beneficiaram de 273 milhões de euros em prestações sociais”.
Adiante, é exposto outro dado que arrasa – um verbo que os partidários do Chega tanto gostam – a argumentação de André Ventura: “os imigrantes representam 9,2% do total de contribuintes da segurança social”, apesar de corresponderem a “6,4% da população residente”.
Finalmente, destaca-se ainda que, de acordo com o relatório estatístico do Observatório das Migrações que é a base da notícia, “Sem os imigrantes alguns setores económicos e atividades entrariam em colapso”.
Percebe-se então que esta posição, para além de discriminatória per se, o que bastaria para o seu repúdio, é baseada em falsidades.
E por aqui?
O concelho da Guarda, num avançado processo de despovoamento, lento mas cadente, apresentou um saldo natural negativo de 285 habitantes em 2021. A conta é simples; nasceram 268 bebés, faleceram 553 pessoas. Todavia, em termos migratórios, o saldo foi positivo em 139 pessoas, o que atenua – apenas atenua, porque o cenário continua a ser negro – o saldo total. Este, em 2021, foi negativo em 146 habitantes.2
É facilmente discernível que sem o contributo dos imigrantes a nossa situação seria ainda pior. Mais um argumento que deita por terra a estratégia simplista e polarizadora – do nós contra eles – que André Ventura tem utilizado de forma bem-sucedida.
Prosseguindo, em 2021 a Guarda tinha 973 cidadãos estrangeiros, um número que começou a crescer sustentadamente desde 2015 (nesse ano os dados indicam 549 habitantes estrangeiros) e que está num plateau desde 2019. Serão consequências da pandemia? A Guarda deixou de conseguir atrair mais imigrantes?
Na minha perspetiva, a imigração é um vetor imprescindível da recuperação populacional na Guarda. Neste particular, é certo que haverá sempre dificuldades e riscos. Basta ver que a notícia já citada salientava que os estrangeiros residentes em Portugal “apresentam maiores riscos de pobreza e vivem com maior privação material”. É, portanto, neste ponto nevrálgico que os organismos públicos, nomeadamente os de âmbito regional e local, devem intervir como motores de integração a uma nova realidade. Por uma questão de dignidade humana, mas também porque isso se traduzirá na própria satisfação pessoal dos novos habitantes e, para quem tem esse mantra como o mais importante, também num melhor desempenho económico.
Concluindo, o discurso do “nós primeiro e eles depois”, que se ouviu no Parlamento na semana passada, mas também em vários momentos eleitorais, é lamentável e mais um contributo para a agonizante decadência populacional que vivemos e viveremos. Sobretudo porque o caminho que queremos – todos – é o oposto.
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