A pedalar pelos sem abrigo


A Guarda esteve na rota de Daniel Horta Nova, onde chegou Quarta-feira da semana passada. O ex-jornalista e antigo sem-abrigo está a percorrer as 18 capitais de distrito de Portugal Continental para «perceber as diferenças sociais existentes no país para as pessoas que vivem na rua» e «recolher o máximo de assinaturas» que irá entregar na Assembleia da República, em Lisboa, onde termina a volta, juntamente com «um caderno com doze medidas que achamos as adequadas para uma boa e séria reinserção social em Portugal para as pessoas que vivem em situação de sem-abrigo».
«A recepção das pessoas muito sincera e honestamente tem sido muito positiva. Mais positiva numas cidades, menos positiva noutras, mais gente numas cidades, menos gente noutras, mas ainda há gente boa em Portugal», referiu o fundador do Movimento de Apoio aos Sem-Abrigo.
Mas também não poupou nas críticas e acusações, nomeadamente no apoio social.
«É urgente fazer uma vistoria a todas as associações que se dizem de apoio aos sem abrigo», defende Daniel Horta Nova. E explica porquê: «O negócio é estrondoso. O frio já vale dinheiro, as vagas de frio já valem dinheiro, e isso é preocupante porque ao sem abrigo não chega nada, chega comida, cobertores e roupa, e tiram-se fotografias para minar o Facebook na entrega dos cobertores, que por acaso são para o lixo porque a Câmara Municipal vai recolhê-los e leva-os».
«Tudo isto tem que ser muito bem pensado. As associações não são a solução, são uma ilusão. Nada funciona. Muitas das vezes são o problema. Não há reinserção, há destruição», acusa Daniel, que considera que «a exclusão social começa no gabinete». «O apoio tem que sair do gabinete, é necessário no terreno. O técnico não pode estar sentado numa secretária e avaliar o dia-a-dia de cada um e nem consegue ter as sensações de quem vive na rua», considera.
Saber quem vive na rua é uma das medidas, a primeira. «É necessária essa triagem» para «avaliar as capacidades físicas e mentais» dos sem abrigo, e que irá reflectir-se no Rendimento Social de Inserção (RSI), «que tem que ser alterado mediante essa triagem». «Ver se as pessoas têm capacidades físicas, e que estão ainda no activo, para desenvolver um programa socio-ocupacional, que possam ser ocupados quatro horas por dia na protecção de matas, na limpeza de praias, entre outras situações. E que em vez de darem à pessoa 187 euros que lhe dei-em alguma coisa de valor para que possa realmente começar a reinserir-se na sociedade e começar a ter uma vida autónoma com responsabilidades de um cidadão comum», defende.
«É urgente a saúde mental na rua», e «extremamente importante» a identificação do sem-abrigo e a questão do alojamento. «Não é num quarto, sem qualquer tipo de apoio, que se tira uma pessoa da rua. Essa pessoa continua a fazer a mesma vida, continua a apanhar pontas de cigarro do chão, continua a ir arrumar os carros….», diz a propósito Daniel.
«A ocupação diária é outro dos problemas. As pessoas só se preocupam com os sem-abrigo durante a noite. É preciso começar a pensar em arranjar centros de dia, onde as pessoas possam ocupar o seu dia, em partilha com os técnicos, criar-se laços de amizade, isso se calhar é uma boa relação, é um bom sinal de reinserção», sugere.
Daniel Horta Nova falou ainda das ideias erradas que se tem em relação às pessoas que vivem na rua. É o caso das regras, outra das medidas propostas. «O sem abrigo não quer ir para o albergue porque tem regras. Tem, severas. Demasiado severas. Não se pode impor a uma pessoa que vive na rua cinco anos, quatro anos, três anos, dois anos, uma regra de aqui não fumas, não bebes, não fazes nada. Como é que um alcoólico pode ser proibido de beber de um momento para o outro sem uma terapia, sem os caminhos adequados?», questiona.
A último medida prende-se com o emprego. «É o culminar, a última coisa que se deve falar a uma pessoa que vive na rua. Sem ser preparado para o mercado de trabalho não vale a pena arranjarem-lhe trabalho», avisa Daniel Horta Nova.
GM