Portugal 2021: Do oito ao oitenta


Sars-cov1 (2002-2003); Gripe suína (2009-2010); MERS-COV (2012-…); Ébola (2014-2016); SARS-Cov2 (2019-…). O que temos. O que vamos ter se a degradação climática e ambiental continuarem.
Vem de 27/12/2020 a boa notícia – a administração da primeira vacina contra a COVID-19 em Portugal. Chegou em Janeiro de 2021 o pior da pandemia. As festas de Natal e a campanha eleitoral tinham dado a receita.
O vírus, hábil, foi se adaptando: começamos em Alfa, seguimos para a estação Beta, Gama, Delta, Lambda, Mu e estamos agora em Ómicron. Outras se seguirão, sempre na senda do cientificamente esperado – maior infecciosidade (probabilidade de infectar mais gente) e menor gravidade (menos mortos, menos doentes graves e menos internamentos por milhão de infectados). O vírus fez o que lhe competia.
Nós fizemos o mesmo? Nem sempre!
Vêem de longe as medidas gerais nestes casos:
1 – Actuação individual de higiene e etiqueta respiratória, distanciamento físico em especial nas situações de risco. Histórias de todos os dias, a última numa discoteca, coloca em evidência a lentidão da aprendizagem.
2 – Higiene e segurança nos locais de trabalho e meios de transporte. Que alterações estruturais, nomeadamente, distanciamento físico, arejamento e ventilação dos espaços e desfasamento de horários foram implementadas?
Há progressos, mesmo comparando com o padrão europeu, na regulamentação do teletrabalho. Há melhorias nas estruturas residenciais para idosos.
Foi assimétrica a aprendizagem. Por exemplo, o Ministério da Saúde aprendeu pouco (chegou ao fim do ano com a mesma exiguidade de profissionais para vigilância) e o Ministério da Educação e o Ministério dos transportes não aprenderam quase nada.
3 – Poder normativo e comunicação.
Socorro-me das palavras de Gouveia e Melo: “… falta liderança na SAÚDE e de coerência nas mensagens”, avisa que “a dúvida corrói” e é “por isso que os pais temem vacinar os filhos”. Durante a transição foi explicado “de forma muito clara ao Ministério da Saúde que tinha de encontrar uma liderança e um sistema de comunicação”.
4 – A vacinação contra a COVID19 – a arma das armas – foi desenvolvida em tempo recorde. As vacinas fazem o que é suposto: não erradicam o vírus – vai continuar por muitos e bons anos – mas mantêm a epidemia controlável a caminho da endemia.
A percentagem de internamentos e complicações é radicalmente deferente nos vacinados e não vacinados,na ordem de 1 para 4 ou 1 para 6. A evidência desta diferença , a necessidade de valorizar e credibilizar a opção cidadã de vacinação deve ser acompanhada de um menor condicionamento social ao grupo dos vacinados.
Fizessem os governantes a sua parte – gestão equitativa por grupos etários, países, zonas geográficas – estaríamos, todos muito melhor. Sabemos todos que as novas variantes vão continuar enquanto persistirem zonas geográficas muito populosas, com taxas de cobertura vacinal escandalosamente baixas (hoje abaixo dos 5%).
A vacinação global é um imperativo ético e uma condição de racionalidade. Para quem não conhece estes termos é uma condição de “egoísmo esclarecido” nas palavras do teólogo Anselmo Borges. A vacinação global é o caminho, não há outro.
Em 2021, Portugal foi igual a si mesmo. Fomos iguais a nós próprios. Voluntários e inexcedíveis no primeiro impulso, maus no continuar da tarefa e no planeamento.
O país fechou, abriu, subiu e desceu sem encontrar o meio-termo. Tratou uma patologia e esqueceu as restantes. Fechou uns sectores e esqueceu outros. Enclausurou zonas populacionais, esquecendo o seu socorro. Estigmatizou em vez de incluir. Fomos os primeiros, na primeira fase da vacinação, agora somos dos últimos. Iniciámos a tempo e horas a vacinação das crianças, mas no mesmo dia tínhamos 30% das pessoas com mais de 70 anos sem a 3ª dose. Sublinhe-se que a efectividade vacinal é muito superior nos idosos (estudos apontam para valores 2000 vezes superiores).
Para 2022 seria útil um SNS (essencialmente público, complementado com uma componente privada) com um pouco mais de planeamento: respondendo com equidade a todos os cidadãos, independentemente da sua condição socioeconómica, local de residência, idade, género, grupo étnico e local de origem.
Um SNS que discrimine positivamente os mais vulneráveis, priorizando: os idosos, a saúde mental, os “sem-abrigo” (essa vergonha de todos nós), os cuidados paliativos, os comportamentos aditivos e dependências.
Precisamos de um SNS que pense o futuro e seja portador de uma ambição de saúde pública transversal (a saúde em todas as políticas). Com uma componente robusta de promoção da saúde alicerçada numa intervenção clara, coerente e consistente, nas determinantes de saúde e dotada de meios à sua efectiva concretização. No fundo, fazer o que a ciência evidencia e o povo ensina – vale mais prevenir que remediar.
P.S: Natal! Tempo de lembrar o essencial. Seja cristão ou não – a dignidade infinita de ser Homem – como nos lembra Anselmo Borges.
Hegel afirmou expressamente que está na religião cristã o princípio: “o Homem tem valor absolutamente infinito”.
NOTA do editor: José Valbom é o novo colaborador do TB e passa a assinar uma crónica mensal no Jornal Terras da Beira no espaço “Alinhavos…”. Especialista de Saúde Pública e especialista de Medicina do Trabalho, José Manuel Martins Valbom é deputado municipal pelo Movimento Pela Guarda, docente de Saúde Pública no Curso de Medicina na UBI e presidente da Assembleia Geral do Centro Cultural da Guarda.