Reflexões sobre os 93 anos da minha mãe
No dia em que este jornal sai oficialmente também a minha mãe faz 93 anos, recordo aqui o amor que o meu pai e ela tiveram para comigo ao longo de este tempo em que revivo as alegrias, as agruras e os espaços calmos da minha vida.
Tinham os meus pais vivido os tempos difíceis de uma aldeia, onde a II Guerra Mundial tinha estreitado o acesso a muitos bens essenciais, obrigando o meu pai a procurar fora da terra um outro modo de vida. E dada a carência de oportunidades o meu pai, encontrou-a na tropa percorrendo o nosso retângulo europeu e arriscando a ida para a Moçambique e daí para a Índia, regressando depois a Moçambique, para onde foi a minha mãe com quem casou por procuração tal como se usava naquele tempo. E eu e o meu irmão nascemos numa daquelas terras no Além-mar, Vila Cabral, agora Lichinga, que foi definida por uma circunferência com um raio de três quilómetros, onde vivi os meus primeiros seis anos de vida.
Lembro-me que a minha mãe sempre se queixou de um Salazar que a limitou nas suas aprendizagens escolares, pois só fez a terceira classe, mas o meu pai teve mais sorte e fez a quarta classe com distinção e por aí se ficou como acontecia nesse tempo a todos os que estavam destinados à exclusão educativa. Foi disso que me quiseram excetuar emigrando. Tivemos por isso eu e o meu irmão acesso ao liceu e à Universidade.
Enquanto meninos tivemos acesso aos livros da Majora, uma editora portuguesa, pioneira nos livros para criança nas décadas de 40 a 70 do século XX, que eles começaram a comprar para nós quando entrei na escola primária em Lourenço Marques, que é agora Maputo.
Viemos eu, os meus pais e o meu irmão de Moçambique e deparámo-nos com uma sociedade rural, que estava no início do seu esvaziamento pela emigração, mal antevendo nós que um dia ficaria desabitada e sem a muita gente que cultivava os seus campos, ficando agora tudo bem diferente. Como havia nesse tempo uma guerra colonial, foi para ela mobilizado o meu pai, que, passado pouco tempo regressou doente, sendo em consequência reformado com uma reforma à maneira de um Salazar poupadinho e insensível aos problemas humanos.
Vivemos assim como família tempos difíceis pois eu estava a começar os meus estudos no Liceu Alexandre Herculano no Porto e mais tarde, o meu irmão foi estudar para Lisboa no Instituto dos Pupilos do Exército, uma escola criada de acordo com os princípios da Escola Nova, onde fez parte dos estudos liceais que prosseguiu no Liceu Nacional de Oeiras. Segui depois estudos universitários de Economia e o meu irmão de Engenharia no Instituto Superior Técnico. Tivemos então sempre dificuldades financeiras que foram supridas por bolsas de estudo e muitos sacrifícios.
Tudo se normalizou com o 25 de Abril quando a foi criada a Associação de Deficientes das Forças Armadas, que reivindicou com êxito a reposição retributiva da carreira militar do meu pai, que atingiu assim o posto de Sargento-Ajudante, embora recebendo como Primeiro-Sargento, com vantagem agora para a minha Mãe que é viúva desde finais de 2008, sendo uma ativa leitora do ELO, o jornal da ADFA. Ela e o meu pai não falhavam por isso os eventos e almoços comemorativos das suas datas históricas.
Vive por isso a minha Mãe uma velhice tranquila, estando agora num lar, onde a visito amiudadamente, levando-lhe alguns mimos, jornais e livros que lê com prazer.
Segue na televisão os sucessos do Povo Moçambicano, acompanhando as visitas de Marcelo Rebelo de Sousa. Foi aonde já foi ao funeral de Mário Coluna, o neto Pedro, meu filho, que era então médico no Benfica. Tem assim um claro pensamento decolonial, onde os povos que colonizámos, encontram compreensão e apoio na sua emancipação, tal como o pensam alguns dos modernos pensadores do fenómeno colonial.