Um baile de apresentação de livro e um jantar barroco
As palavras que vos escrevo são sobre Cultura. Sobre dois eventos imaginados por dois Homens da Cultura.
É meu objetivo levar o leitor a refletir nas palavras de um destes Homens: “A Cultura não é a cereja no topo do bolo; a Cultura é o bolo inteiro.”
Falar sobre Cultura é falar sobre o intangível, sobre a transformação do intelecto, sobre o que em nós se forma fruto do mistério desvendado e oferecido do outro. Falar sobre Cultura é não falar por não se conseguir descrever as sensações de uma experiência estética. A Cultura é, tantas vezes, o Silêncio do final do espetáculo.
Desengane-se quem pensa na Cultura como o fogo de artifício, como o carrinho de choque em qualquer feira popular, como a cerveja na mão em noites de animação, como mera animação. Cultura é pensamento, é conhecimento, é transformação e evolução. Cultura é criar mundos, é ser criador. Cultura é absorver mundos, é desenvolver uma interpretação particular e deixá-la voar para o universal. Cultura é a liberdade da metafísica.
Não há um curso para se ser Culto, a Cultura é a busca incessante de uma vida, são as múltiplas referências, as múltiplas experiências e as múltiplas ideias.
Cultura é romper com o esperado, é o desajustado, a ousadia, a provocação intelectual.
Mário Cesariny apresentou o seu livro “19 Projectos de Prémio Aldonso Ortigão” com um baile, o que “provocou grandes indignações em certos meios intelectuais desta nossa “pequena” Lisboa…”. Esta tarde dançante que seduziu os mais atrevidos e indignou os mais conservadores mostrou o que para o Poeta deve ser o lançamento de um livro ao mundo, uma celebração de alma, uma dança de sentidos. Este divórcio com politicamente correto do cerimonial da apresentação de livros em livrarias, numa liturgia de versos feita pelo autor para uma plateia solene “de uma pseudocrítica de olho goraz e peso de mula”, provou que uma Obra não é a sua materialização, mas antes a sua espiritualidade, o que nasce depois de uma Obra vir ao mundo.
Também outro Homem da Cultura nos deu lições irrepetíveis sobre o que é viver a Cultura. Paulo Cunha e Silva, mestre da transversalidade, do corpo e do espírito, da objetividade e do encontro com o impossível. O Paulo das Ideais, o Paulo-Génio, o Paulo Fazedor de Sonhos.
De entre as suas múltiplas ideias que surgiam à velocidade da luz, o Paulo, também ele Luz, decidiu, no âmbito da Porto 2001, organizar um jantar que ficasse na memória de todos quantos nele participassem. Nasceu, então, o inesperado Jantar Barroco Nicolau Nasoni, ao lado do viaduto da VCI, uma vez que não foi permitido ser realizado no exato local que Paulo imaginou, em cima do viaduto. Numa mesa de 25 metros, 80 pessoas degustavam o menu do cozinheiro Carmelo Chiaramonte. Este jantar inusitado ficou na memória dos que nele participaram e dos que não tiveram oportunidade para tal. Degustou-se o sabor do infinito, do porvir, do sonho tão bem alicerçado. Foi um Jantar à Paulo, à Homem da Cultura. Foi alimento do Intelecto. Foi Cultura ao jantar, que perdurou em todos os que dele se recordam.
O que seria do mundo sem os audazes, os destemidos, os sonhadores? O que seriam do mundo sem Cultura?
Que a Cultura salve todos, mesmo os que não imaginam o poder salvífico da Cultura.