Urgências de obstetrícia
A 11 de outubro começaram a surgir notícias relativas ao encerramento de serviços de urgência de obstetrícia. Na Beira Interior, é sugerido o encerramento de duas urgências.
Estas orientações emanam de um grupo de peritos criado pela anterior Ministra da Saúde Marta Temido como resposta política ao caos nas urgências do Verão.
Nesta crónica, procurarei expor porque considero este processo uma trapalhada e um exemplo do que não deve ser feito em termos de divulgação pública e decisão política.
Vamos por partes.
- Falta de transparência: Esta polémica está desde início rodeada de incerteza. O assunto foi trazido para o espaço público através de notícias avulsas e sem a divulgação, até à data, do relatório completo. Como tal, é impossível analisar de forma crítica e completa a proposta e os pressupostos que conduziram à sua redação final. Para além disso, há informação discordante em diferentes órgãos de comunicação social – o Expresso avança que as urgências a encerrar serão as da Covilhã e de Castelo Branco e a RTP informa que serão as de Castelo Branco e da Guarda. Esta indefinição foi a ignição para um inflamado alarme social e reação forte de autarcas de diferentes cores políticas, dado o impacto nefasto para os cidadãos dos concelhos da Beira Interior.
- Falta de responsabilidade política: Uma decisão desta envergadura e com tamanho impacto social tem, forçosamente, de ser tomada e assumida pelo Ministro da Saúde. Ter permitido que conclusões preliminares de uma Comissão– e que desconhecemos, porque o relatório não é público – parece-me um erro grosseiro e que fragiliza posteriores decisões sobre o mesmo tema.
- Adiar as decisões difíceis: Após o ruído mediático, Manuel Pizarro veio pôr água na fervura dizendo que até ao fim do ano não encerrará nenhuma urgência. Que enorme consolo! Dois meses e meio de garantias. Para além disso, não poderá esta gestão de crise ser uma tentativa de serenar os ânimos, mas plantando ao mesmo tempo a ideia para que germine e torne a decisão definitiva mais facilmente aceite?
E porque não deve encerrar a urgência obstétrica da Guarda?
- A Guarda, tal como toda a Beira Interior, é um território de baixa densidade que vem perdendo população ao longo dos anos, sendo esta realidade particularmente crítica nas crianças e nos jovens. Um dos principais alicerces da estratégia de fixação e captação de novos habitantes foca-se na qualidade de vida, que se vê muito debilitada pela insuficiente resposta na área da Saúde. Estas notícias sobre o encerramento de serviços obstétricos – mesmo que não passem de notícias – são uma machadada mutilante na nossa já fraca capacidade de retenção e atração de jovens.
- O Hospital Sousa Martins, na Guarda, iniciou há pouquíssimo tempo a reabilitação do seu conhecido Pavilhão 5 para acolher o Departamento da Saúde da Criança e da Mulher. São 8,5 milhões de euros de investimento que deverão ser posteriormente colocados ao dispor da população, o que passará naturalmente pelo funcionamento de uma urgência de obstetrícia. Aliás, requalificar – com um investimento avultado – um edifício que pretende acolher um Departamento dedicado à Saúde da Criança e da Mulher para logo a seguir tomar uma decisão destas é uma opção profundamente contraditória que demonstra total falta de planeamento ou pouco respeito pelo erário público.
- A ULS da Guarda serve 13 concelhos e tem uma abrangência geográfica enorme. Este encerramento deixaria cidadãs a uma distância incompreensível de cuidados de saúde numa área essencial.
Em suma, o que pretendo salientar é que estas decisões são políticas. Apesar do que indicações técnicas possam inicialmente indicar, há muitos outros fatores a enquadrar relativamente ao encerramento de um serviço público tão essencial, nomeadamente investimentos prévios, dispersão geográfica, formação universitária e prioridade política de valorizar o interior.
Portanto, este possível encerramento é um desafio que deve unir todo o Interior, independentemente de pequenas querelas locais, na defesa intransigente dos cuidados de saúde para a nossa população. O encerramento destas urgências, se se verificar, será mais um passo rumo ao esvaziamento e ao esquecimento. A acontecer, o Partido Socialista terá de assumir esse ónus e ficará claro que a apregoada coesão territorial é mera cosmética.